5.5.05

Reino dos Céus

"Reino dos céus", de Ridley Scott, é um épico passado durante as cruzadas do séc. XII, que relata a luta entre muçulmanos e cristãos pelo reino de Jerusalém. Além da análise histórica, o filme tenta um outro ganho fazer a ponte da temática para a actualidade.
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Baseado em figuras históricas reais, "Reino dos céus" é outro épico de acção cujas cenas de batalha, com mais ou menos efeitos digitais à mistura, são em si mesmas meio e fim de toda a sua densidade dramática, à semelhança dos recentes "Tróia" ou "Alexandre"- até o elenco de luxo mais não é que mero acessório.
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Depois, tal como o fizera em "Gladiador", Scott cai no mesmo erro de criar um discurso modernaço de democracia e tolerância, que tem pouco cabimento numa época onde a chacina era, de parte a parte, a palavra de ordem. Maximus falava da grandeza de Roma e do sistema senatorial à população do Coliseu; Balian promove o diálogo entre religiões. "O Sepulcro não é mais importante do que o Muro ou a Mesquita!", diz a um mar de camponeses, antes de os ordenar a todos cavaleiros, com as tropas de Saladino às portas da cidade.
O outro texto, O épico pelas ruas da amargura:
Para capitalizar no filão, massificaram-se os argumentos, copiaram-se os piores defeitos (como o ridículo discurso de valores pós-modernos), e a qualidade desceu a pique, bem como o público. Só no ano passado, estrearam "Tróia", de Wolfgang Peterson, "Rei Artur", de Antoine Fuqua, e "Alexandre", de Oliver Stone.
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Longe vão os tempos de "Spartacus", "Ben-hur", ou "Lawrence da Arábia". Hoje não há um Kirk Douglas, um Charlton Heston, Peter O' Toole ou Errol Flynn que dê alma a objectos essencialmente inanimados, politicamente correctos, e historicamente risíveis. Onde os heróis, ora andróginos ora anabolizados, são todos metrosexuais [sic], onde na Idade Média se fala em democracia e as mulheres são guerreiras respeitadas, onde se luta pela liberdade mais do que pela sobrevivência. É também aí que habita "Reino dos céus". Onde o épico tão cedo não deixará de andar pelas ruas da amargura.
De facto, todos estes filmes épicos mais recentes acabam por ser bastante ridículos, pois transportam para séculos passados conceitos que lhes eram completamente estranhos. É lógico que quem faz um filme, não faz uma reconstituição histórica, mas quem o vê (pelo menos com olhos de ver) não deixa de sentir ridículos discursos grandiloquentes (em Alexandre, o rei macedónio faz um discurso antes da batalha perfeitamente incongruente com quem estava a entrar em guerra apenas para construir um império).

E é isto que me incomoda (incomodar se calhar é uma palavra muito forte, porque tenho sempre remédio: não vejo os filmes) em muito filmes de Hollywood sempre prontos, umas vezes subrepticiamente outras nem tanto, a passar mensagens do pensamento único politicamente correcto (sobre feminismo, homossexualidade, imigração, relações internacionais ou entre religiões, etc.) de uma agenda "liberal" (no sentido anglo-saxónico do termo, é claro). E isto acontece praticamente em todos os tipos de filmes.