6.7.05

Uma nova cidadania

O Estado Social criou um mundo em que todos podemos ser como o pai de Stuart Mill, que amava a humanidade em geral, e era indiferente a cada ser humano em particular. Oscar Wilde previu isso. Em ‘The Soul of Man under Socialism’, Wilde louvou o sistema socialista como um meio de nos dispensarmos de pensar nos outros: os poderes públicos encarregar-se-iam disso. O recibo do IRS funciona como uma espécie de amnistia moral, libertando o nosso egoísmo de todas as responsabilidades. E à indiferença comprada pelos contribuintes, corresponde o impudor dos enxames ansiosos por se apropriarem, através do Estado, da riqueza criada por outros. Todos podemos ser mais egoístas: uns ao dar, outros ao receber.

No âmbito do Estado Social, a liberdade do cidadão foi concebida como uma liberdade em relação às consequências das suas acções, e dos seus deveres para com os outros. Liberdade tornou-se equivalente de irresponsabilidade. Assim, o verdadeiro fundamento do Estado Social não é a solidariedade, mas a corrupção moral, porque nada corrompe tanto como a irresponsabilidade, essa característica dos escravos. O projecto político que pode ser derivado das tradições liberais não consiste no solipsismo ou no desprezo dos fortes pelos fracos, mas na responsabilização individual dos cidadãos por si próprios e pelos outros. Sem essa responsabilidade, nunca existirá aquela autonomia pessoal, aquela vida moral íntima, em cuja possibilidade apostaram as tradições liberais. É por isso que essas tradições contêm a mais profunda reflexão sobre associações voluntárias e participação política. Ao entregar, uma vez saciado o fisco, todas as responsabilidades ao Estado, o actual “modelo social” subverte a autonomia pessoal, reduzindo-a a um mero egoísmo. Contra o “modelo social”, as tradições liberais sugerem a hipótese de um “modelo cívico”, fundado numa nova cidadania, mais exigente, de indivíduos que nunca darão a resposta de Caim.