1.9.05

Cavaco; modo de usar

O que pode fazer o Presidente? Esclareçamos desde já uma coisa o Presidente não pode governar, e, portanto, não vale a pena sequer pedir aos candidatos um Programa de Governo. O que o Presidente pode fazer é influenciar a governação, usando para isso vários meios: a persuasão, as declarações públicas, a ameaça de demissão do Executivo ou de dissolução parlamentar. O que se pode pedir aos candidatos é, portanto, uma certa visão do País, dos seus problemas e da melhor maneira de os enfrentar. Soares não tem nenhuma visão que difira do que existe. Com ele, está, portanto, assegurada a prossecução do desastre. Com Cavaco o caso é ligeiramente diferente. Cavaco pode ter essa visão que é necessária. Pode, mas não é garantido. Cavaco é um dos pais daquele desastre foi ele quem expandiu fabulosamente a despesa pública durante os seus dois governos de maioria absoluta, sobretudo graças à expansão do Estado-Providência, o que foi possível apanhando a boleia da prosperidade dos anos 80.

Cavaco teria, portanto, de renegar parte da sua obra para se apresentar como o candidato dessa visão alternativa. Teria de não ter vergonha em criticar certas taras do regime, como as peias permanentes à iniciativa privada, o que inclusivamente passa por uma certa visão ideológica que recuse as habituais placitudes sobre a preservação do "modelo social europeu" e a repugnância ao "neoliberalismo selvagem". Teria de não ter vergonha em criticar o tal Estado-Providência manco em que vivemos e que tanto contribui para a perpetuação do nosso atraso. Para fazer isto, Cavaco não tem de aparecer no papel do agente de instabilidade do sistema político (ironicamente uma "força de bloqueio"). Já sabemos que não pode governar. Cavaco (se e quando for) Presidente deve respeitar o mandato democrático do Parlamento e do Governo. Mas também não tem de ter medo do seu próprio mandato democrático. O que significa que também não tem de ter medo, quando se apresentar a oportunidade, de difundir ideias, nem de influenciar o Governo, num sentido que não é necessariamente aquele que o Governo espontaneamente seguiria. Será ele capaz de fazer isto? Quererá ele fazer isto? Por enquanto, não sabemos.