29.12.05

Rank with fear

Anteontem, depois das declarações de Cavaco Silva a este jornal, gerou-se uma tal onda de queixinhas e de indignações que qualquer cidadão seria levado a suspeitar de que alguma coisa estaria errada. Está. O que está errado é o clima de medo em que querem transformar estas eleições. Esta pobre estratégia populista parte do princípio que os portugueses são um bando de medricas ou de crianças que é preciso proteger a todo o custo de perigos imaginários e de tragédias improváveis. Esse medo é que é perigoso - é o medo da democracia, no fundo. Em todas essas queixinhas que se ouviram durante o dia (com aquele ar escandalizado das virgens velhas das peças de Lorca) não se viu uma ideia, um combate, uma prova de que Cavaco estava errado. Limitaram-se a aparecer em bicos de pés, lembrando "a tragédia" e "o perigo" que rondam a vida dos portugueses, esses ignorantes que deram a vitória a Sócrates e se manifestam por Cavaco.

Ora, o que a candidatura de Cavaco (para temor de soaristas e de cavaquistas) vem fazer, no fundo, independentemente de si mesmo, é interromper um ciclo conservador onde o "republicanismo" se sobrepõe aos "valores republicanos" e onde as manobras de bastidor são sempre mais importantes do que a clareza das ideias que se exprimem. Ao acusarem Cavaco de todas as ignomínias apenas porque ele se limitou a sugerir uma medida da mais elementar eficácia governativa (que ninguém discutiu, de resto), os seus adversários apressaram-se a acenar com banalidades e com a existência de "indícios", mostrando claramente o seu jogo a aposta no medo.

A penosa campanha eleitoral em curso, longa de mais, mostrará até ao fim esse tom de dramatização e de perseguição populista, de insinuação. Por detrás disso está o medo. Não o medo de Cavaco, mas o medo da própria democracia e do jogo claro que ela devia impor e tornar necessário. De dedinho espetado, indignado, esse medo é que é perigoso e reaccionário. E, além do mais, pretende fazer dos portugueses gente sem discernimento ou inteligência.

Francisco José Viegas, "O medo é que é perigoso", Jornal de Notícias, 29-12-2005 [via Pulo do Lobo].