26.1.06

Nos jornais (1)

Independentemente da votação humilhante de Mário Soares, justíssima, porque foi o pior dos candidatos em presença, a esquerda no seu todo ficou a muito pouco de obrigar Cavaco a uma segunda volta, e quem sabe o que aconteceria então. Isto quer dizer duas coisas. Uma, que, se a esquerda tivesse apresentado um bom candidato, nada destas criaturas saídas do relicário antifascista, mas uma espécie de Sócrates presidenciável, tudo se tornaria mais difícil para Cavaco. A outra é que Cavaco, contra aquilo que quis, acabou por ser essencialmente eleito pela direita. Cavaco levou ao limite do suportável a sua campanha de desmobilização, esquecendo a direita, por vezes com pormenores de humilhação (vide o caso do "outro partido"). Parece claro que teve algum êxito, mas muito menos do que se pensou ao início. É um clássico de tanto assemelhar-se ao original, a cópia não se distingue e o original é preferível. Muita gente terá pensado que entre ouvir a "Grândola" cantada por Cavaco ou por um antifascista, antes o antifascista.###

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O sinal é importante para ele. Mas sobretudo é importante para os partidos de direita. Cavaco já alcançou o seu objectivo e, se não for acicatado, tem pouco para mudar do que pretende fazer. Já ao PSD e ao CDS apresenta-se-lhes uma oportunidade. Também eles ganharam. Um resultado de Cavaco muito acima dos 50% ou, a fortiori, a rondar os 60%, demonstraria a sua irrelevância. Este resultado, pelo contrário, demonstrou a sua imprescindibilidade. Talvez devessem agora, fortes com ele, avançar uma agenda política independente de Cavaco e, sobretudo, uma agenda política colocando problemas e sugerindo soluções indo além do consensualismo cavaquista. Depois da vaga humilhação a que foram sujeitos durante a campanha, PSD e CDS têm agora a oportunidade de colocar Cavaco no seu lugar, lembrando-lhe a quem deve ele a vitória. Mas para isso teriam de perceber uma das grandes mensagens destas eleições a de que o seu resultado acabou por ser decidido a partir da bipolarização e, portanto, em larga medida por razões ideológicas. A oportunidade abriu-se e a escolha é deles: ou serem os partidos de Cavaco ou serem algo diferente disso e mesmo daquilo que são hoje. A vitória marginal de Cavaco mostrou os limites da estratégia "centrista". Mais longe do que isto não conseguirão ir, ainda por cima não estando o trunfo Cavaco sempre à mão de semear. Mas cabe-lhes a eles escolher, e eles lá saberão as linhas com que se cosem.