25.1.06

O neo-pombalismo a descoberto

O dr. Cadilhe publicou um livro em que propõe um “programa radical” para remover “o sobrepeso e a ineficiência do Estado”. Até aqui, muito bem. A entrevista, porém, continha algumas notas inquietantes. Quando lhe perguntaram de quando datavam as suas excelentes ideias, o dr. Cadilhe explicou que “vinham de 1990, quando deixei as funções de ministro das Finanças”. Este é um dos mistérios da vida portuguesa: se querem um político lúcido, têm de o tirar do poder. Ainda mais preocupante, porém, foi descobrir quem o dr. Cadilhe gostaria que lesse o seu livro: o “primeiro ministro, obviamente”, porque é ao “governo que cabe tomar iniciativas reformistas e executá-las”. Depois, por esta ordem, os deputados, os “burocratas”, os “sindicalistas”, e os “beneficiários” dos regimes públicos.

Eis o que está errado com o reformismo em Portugal. Os nossos veneráveis reformadores querem libertar a “sociedade civil”, mas partem de uma visão burocrático-corporativa, que os faz imaginar o seu campo de acção como uma pirâmide, em que no vértice está o chefe do governo, no meio os burocratas, e na base os grupos de interesse. Raramente contam com o espaço público de debate e de pressão aberto pelas instituições democráticas. Ignoram que, para além de “burocratas” e “beneficiários”, há também cidadãos. A desculpa do dr. Cadilhe é a urgência: só de cima, com “pulso firme”, se poderia obter resultados imediatamente. Como não deseja despotismos, espera que o tal “pulso” corresponda a um entendimento entre partidos, como se os partidos não existissem precisamente porque não nos entendemos. Pode ser que o “povo” não queira as reformas do dr. Cadilhe. Mas talvez o dr. Cadilhe fizesse melhor em tentar convencê-lo, em vez de esperar tudo da súbita conversão do eng. Sócrates, esse duvidoso Constantino. No poder, como o dr. Cadilhe devia saber, está-se sempre imune às ideias que não são sustentadas por correntes de opinião fortes.
Para ler na íntegra, no Diário Económico.