25.1.06

A vitória de Cavaco e a direita em Portugal (reposição com adenda)

A direita com expressão partidária (PSD e CDS) continua em minoria no país. Se, ontem, tivesse ido a votos, mesmo com o descontentamento popular contra o governo socialista, não teria obtido maioria no parlamento. A não ser que esteja genuína e ingenuamente convencida, que os 50,6% dos votos de Cavaco são seus.


Como já vários comentadores afirmaram, é inegável que os 50,6% de Cavaco (um resultado muito expressivo se tivermos em conta que foi obtido à primeira volta numas presidenciais em que a esquerda apresentou nada menos do que 5 candidatos) não podem ser atribuídos à direita com expressão partidária.###

Convém no entanto também ter em conta que os 50,6% de Cavaco não incluem certamente todos o actual eleitorado de direita. Mesmo admitindo que o voto de "protesto" em Alegre vindo da direita tenha sido muito reduzido, parece-me razoável admitir que uma fatia significativa do eleitorado de direita terá optado pela abstenção. Além disso, é inegável que, apesar de o país continuar provavelmente desiquilibrado para a esquerda, tem havido uma evolução bastante positiva ao longo dos últimos anos no sentido de um realinhamento do centro político mais à direita (ou menos à esquerda). Para não ir mais longe, atente-se na evolução do próprio PS ao longo dos últimos 25 anos e, em particular, na última década; uma evolução que encontra corolário na ascensão de José Sócrates, um líder que seria, apesar de tudo, provavelmente considerado demasiado de direita até no próprio PSD de há alguns anos atrás...

A direita não deve esperar de Cavaco mais do que uma presidência centrista e que não obstaculize algumas reformas estruturais (que passam também, necessariamente, pelo plano constitucional...) há muito adiadas. O resto caberá à capacidade de mobilização e (re)organização da própria direita, que deverá encontrar, no plano ideológico, das políticas públicas e dos partidos soluções viáveis, consistentes e apelativas para o eleitorado. O panorama que se apresenta não é fácil mas, apesar de tudo, julgo que nunca como em 2006 (com Sócrates a PM, Cavaco na presidência e o contexto internacional actual) estiveram reunidas tão boas condições para a afirmação de uma direita liberal em Portugal. Assim haja capacidade de reflexão, persistência e coragem para enfrentar os desafios que se apresentam.

Comentários de Fernando Sampaio:

Excelente analise do AAA! Concordo com o essencial !

Uma nota ligeiramente divergente. Não seria tão afirmativo quanto ao facto de "uma fatia significativa do eleitorado de direita ter optado pela abstenção". Claro que nos quase 40% de abstencionistas há uma parte importante de pessoas que se votassem votaria à direita (mais ou menos de 50 % ? não faço ideia). Mas não votam. Fazem parte do “núcleo duro” dos abstencionistas. Independentemente do maior ou menor interesse de cada eleição. Tenho a impressão de que quem poderia ter votado à direita ... votou mesmo. E votou Cavaco. Por exemplo, mesmo a esmagadora maioria dos liberais “doutrinários” (uma pequena minoria, reconheçamos !... na qual modestamente me auto incluo), acabaram por votar Cavaco (como eu, embora esteja longe de ser um "cavaquista). Alguns dizendo que o faziam tapando o nariz (não foi de modo nenhum o meu caso). Mas fizeram-no. Julgo que, no contexto actual, Cavaco Silva "apanhou" o máximo dos votos mobilizáveis à direita. Infelizmente "a direita" (em sentido lato, direita e centro-direita) é neste momento minoritária em Portugal. Eleitoralmente e em termos de opinião publica. Como prova, o facto de a maior parte dos analistas políticos reconhecerem que Cavaco Silva ganhou à primeira volta por ter conseguido o voto de uma parte do eleitorado de centro-esquerda e de esquerda. Eleitorado esse que normalmente não votaria num partido conotado com a direita (PSD e CDS). Isto não significa que, mesmo no contexto actual, os partidos da direita não podem ganhar eleições legislativas e municipais. Como aconteceu há poucos anos e nas últimas municipais. Por força do sistema e da dinâmica eleitoral. E pelo facto de “a esquerda” ser bastante mais heterogénea do que a direita (apesar de tudo, um comunista e um socialista diferem mais do que um “conservador” do CDS e um “social-democrata” do PSD). Mas, para vencer, a “direita” tem de beneficiar de um conjunto de circunstâncias particulares e excepcionais que impedem a esquerda (e em particular o Partido Socialista) de converter “a maioria de esquerda” numa vitória eleitoral. O que determina dois importantes desafios actuais. Um, mais político e especificamente eleitoral, que é o de conseguir ganhar contendas eleitorais num país “desequilibrado para a esquerda”. Outro, mais ideológico, que é o do combate das ideias junto da opinião pública tentando “desequilibrar o país para a direita”. De preferência por via do fortalecendo da vertente “liberal”. Mas isso é outra conversa.

Dito isto, que é naturalmente discutível e não constitui qualquer “separador de águas” (oxalá o AAA tenha razão !...), estou perfeitamente de acordo com a outra vertente da análise do AAA. Muito mais fundamental. De facto, independentemente do tipo de equilíbrio político, mais à esquerda ou mais à direita, “tem havido uma evolução bastante positiva ao longo dos últimos anos no sentido de um realinhamento do centro político mais à direita (ou menos à esquerda)”. O AAA lança a abordagem deste aspecto, a meu ver justamente, falando no PS e no Sócrates. Haveria certamente muito a dizer a este respeito. Eu acrescentaria ainda que o realinhamento é também, e sobretudo, ideológico. No plano das ideias. E em boa medida “liberal” (mais do que “conservador” ou “nacionalista”, por exemplo). Pese embora uma linguagem agressiva “anti-neo-liberal”, a verdade é que a concepção liberal da sociedade, das instituições democráticas, da economia, das relações humanas, e por aí fora, ganhou claramente terreno. Hoje a esquerda que conta, mesmo sem ser “blairista”, já não é marxista, anti-capitalista, estatalista, nacional e internacional populista. O que, em 30 anos, não é pouco. Não me estou a esquecer do peso actual do “politicamente correcto”, do relativismo cultural e moral, da mentalidade socialmente assistencialista”, do intervencionismo estatal na economia, etc, etc, nas opiniões públicas e nas elites políticas. Por isso é que a esquerda é maioritária. A esquerda recentrou-se. A “velha esquerda” perdeu uma guerra fundamental : a dirigida contra uma sociedade aberta e de mercado. A “nova esquerda” elegeu outras linhas de fractura com a direita e com o liberalismo (dito “neo-liberal” e “conservador”). Ao contrário do que alguns anunciaram, o confronto ideológico e político direita-esquerda continua a ser de actualidade.

Também concordo quanto ao facto de esta vitória de Cavaco Silva não criar nenhuma oportunidade regresso ao “poder” para direita partidária. Eu sou dos que defendem que Cavaco Silva deve ser apenas o “Presidente de todos os portugueses”, exercendo a magistratura no pleno respeito da Constituição. Deixando governar quem ganhou as eleições. Tendo, quando muito, uma influência de magistério, no sentido de criar condições favoráveis a reformas estruturais e evitar viragens demagógicas e social-populistas, incompatíveis com uma sociedade aberta, democrática e integrada no “Ocidente”. “Excusez-moi du peu !”

Quanto ao problema da “direita liberal” ... é como diz o AAA !