21.6.06

Coisas que regressam de vez em quando I

Estou cansado, já há muito tempo, da obrigação de viver vinte e quatro horas por dia. Quando terei prazer em viver?
Baudelaire, 7 de Agosto de 1860.


Obsessão

Assustais-me, ó florestas, como catedrais;
Bramis tal órgão; e nos peitos malditos,
Câm'ras de eterno luto, a ressoar velhos ralos,
Respondem os ecos dos vossos De Profundis.

Odeio-te, Oceano! teus pulos e tumultos
Em meu espírito reencontro! E o riso amargo
Dum homem vencido, feito de ofensa e pranto,
Bem o oiço no colossal riso do mar.

Como eu te amara, ó Noite! sem essas estrelas,
Cujo brilho me conta coisas bem sabidas!
Pois apenas procuro o escuro, o nu, o nada!

Porém as próprias trevas em telas se mudam,
Onde vivem aos mil, brotando dos meus olhos,
Seres desaparecidos com rostos familiares.


Sua Excelência Charles Baudelaire em Fleurs du Mal
Tradução de Fernanda Botelho com a colaboração de Ana Lúcia Sena Lino, edição Editorial Verbo, 1972.